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terça-feira, 31 de maio de 2016

Ex-Aluno da UFV e coisas que me perguntarei por anos.




No Oncocentro, podemos escolher se queremos fazer a quimioterapia no terceiro andar -  em box isolado, deitados na cama, com TV a cabo, controle remoto, ar condicionado e varanda privadas -  ou no primeiro andar - com todo mundo junto no salão, sentados em cadeiras inclinadas, duas TVs pra todo mundo, ligadas em canal escolhido previamente, com som no volume mínimo.

Como  a escolha dos andares fica a critério do paciente, pelo fato do meu médico atender no terceiro, fiz a maior parte das sessões lá. Quando estavam faltando somente 5 sessões para terminar o tratamento, um dia faltou vaga no terceiro andar e me perguntaram se eu gostaria de aguardar ou se teria algum problema ir para o primeiro. Como já planejava pedir para fazer uma sessão no primeiro andar para poder interagir com outros pacientes, não pensei duas vezes para responder. 

Ao chegar, comecei a perceber a diferença. Vi crianças pequenas em tratamento (no terceiro andar só havia adultos), vi pessoas em situações mais delicadas chegando carregadas ou de cadeiras de rodas (o que era raro de se ver no terceiro andar) e, claro, tive a oportunidade de puxar assunto com outros pacientes. Logo decidi que faria o resto das sessões lá.

Logo no primeiro dia, conheci a Danni, uma moça muito simpática que já havia terminado as sessões de quimioterapia e começaria a rádio em poucos dias. Ela se sentou ao meu lado, se apresentou e conversamos bastante. Trocamos facebook, whatsapp e nos falamos com frequência ainda hoje. Ela me incluiu no grupo Pérolas de Minas, um grupo de mulheres mineiras que tiveram câncer e que se encontram regularmente, promovem eventos em BH, dão entrevistas, participam de pesquisas e já foram até convidadas a entrar em campo com alguns times de futebol de MG.

Ontem, quando esperava para fazer exame de sangue conheci a Jane. Uma moça linda e simpática, de 41 anos, mas com aparência de 30. Terminou o tratamento em janeiro e veio dar depoimento e cantar para os pacientes do primeiro andar. Trocamos facebook e no final me deu uma mensagem com um docinho grampeado.

Na hora da sessão, assim que entrei no salão, vi um rapaz muito bonito sentado no canto. Era bem jovem, aparentemente com vinte e poucos anos, pele clara, olhos azuis, cabeça raspada e uma timidez nítida. Estava acompanhado de uma senhora que imaginei ser sua mãe.

Fui me sentar do outro lado do salão, onde havia uma cadeira inclinável ao meu lado, para que minha mãe pudesse deitar e descansar também, pois acordamos sempre às 3:30h em Viçosa, pegamos a van às 5h para BH, e retornamos para Viçosa no mesmo dia, às 18h, chegando na cidade por volta ds 23h, já esgotadas.

De onde me sentei, conseguia ver somente a jaqueta do rapaz, o que foi suficiente para visualizar o Brasão da UFV - imagem acima - na manga. 

- Olha mãe, o menino estuda na UFV!
- Ele te falou?
- Não, estou vendo o Brasão na manga da jaqueta dele, olha!!! 
- Ah, então vou lá conversar com ele e com a mãe! Disse, animada.

Nesse momento não fui junto porque fico muito  dopada com os antialérgicos que recebo antes do Taxol, o que me deixa com bastante dificuldade em manter um diálogo que exija mais do que meras frases soltas. Para vocês terem uma ideia, certa vez a psicóloga da clínica foi me atender e eu cochilei no meio da consulta.

Mesmo dopada, fiz um esforço para prestar atenção na conversa, quando ouvi o rapaz dizer que era formado em algo terminado em mia...não entendi se era Agronomia ou Economia, mas bastou minha mãe olhar para mim sorrindo e dizer que eu era formada em Administração, que logo deduzi que o rapaz era Economista.

Nossa, agora vai ficar feio se eu não for lá...pensei, estudamos no mesmo Departamento... Levantei lentamente e atravessei o salão arrastando o soro e a mim mesma, quase no estilo The Walking Dead. Parei em frente aos três com meus olhos dopados caídos e minha expressão de zumbi.

 - Você estuda na UFV?
O rapaz, muito simpático, não apresentou qualquer rejeição quanto à morta-viva que tentava interagir com ele.
 - Na verdade me formei há cinco anos, estava trabalhando no norte do país até que...
- Você foi ao baile de ex-alunos no ano passado? Perguntou minha mãe.
- Meus amigos foram, pra mim não deu....
 - Entendo...e o seu é onde? Geralmente não faço essa pergunta antes de conversar por pelo menos dez  minutos, mas como não conseguiria mesmo, fui direto ao assuno. O moço que já era bastante tímido, hesitou um pouco e respondeu baixinho.
- Testículo...
- Ah sim, o meu é na mama. É muito comum nesses lugares, né? Mama, útero, ovário, testículo, prostata...Você descobriu como, sentia dores? 
- Basicamente isso, dores na barriga, fui fazer exames pensando que era outra coisa e o médico viu, deu na barriga..

Entendi que o tumor começou no testículo e foi para a barriga também. Nesse momento já havia usado minha capacidade máxima de manter um diálogo em pé. Respondi a ele que o meu também havia se espalhado para a axila e costela. Perguntei como eram os ciclos da quimioterapia dele e pedi licença para me sentar de novo. Nesse momento o meu soro já havia terminado e a enfermeira veio tirar, medir pressão, oxigenação e batimentos cardíacos. Tá liberada, Simone, menos uma, só faltam três!

Durante a viagem de volta, vim me lembrando desse ex-colega de departamento, o qual não conhecia e que provavelmente nunca mais verei. Também me lembrei da Geovana, uma menina muito simpática e falante, de apenas 19 anos, com linfoma, que conheci na sala de espera de exames de sangue, e que também nunca mais encontrarei.  Por fim, me lembrei da menininha carequinha de 3 anos, que na quimioterapia passada chegou no colo da vovó, ficou brincando na cama do box - as crianças ficam em box mesmo no primeiro andar-, e quando chegou a "picadinha de formiga" chorou gritando pela mãe: "Mamãe, tá doendo, mamãe, tá doendo", repetiu umas cinco vezes seguidas, fazendo com que eu, supostamente forte e adulta, chorasse junto com ela, cá do lado de fora do salão. A picadinha de formiga nem era o pior, mas era o que ela conseguia sentir, talvez nem soubesse do resto. Tive pena da mamãe...

Se fosse seguir minha vontade, pegaria o contato de todas as pessoas que conheço no Oncocentro. Sei que por muitos anos me perguntarei como elas estarão. Será que o rapaz da UFV voltou a trabalhar no Norte? Será que os cabelos da Geovana já estão grandes novamente como os da foto que ela me mostrou? Será que a menininha de 3 anos já é adulta e cuida da mãe dela? Será que já tem filhos e quando os leva para tomar vacina diz "picadinha de formiga"? E sorri quando os ouve chorar gritando "Mamãe, tá doendo, mamãe", dizendo toda segura de si: Vai passar...

sexta-feira, 27 de maio de 2016

O que não dizer a um paciente com câncer?



Quando o assunto é câncer, algumas pessoas acabam cometendo gafes e indelicadezas sem perceber. Nessa postagem, relato algumas coisas que li, ouvi ou vivenciei, dando sugestões do que poderia ser dito no lugar.
  1. Você está com "aquela doença" -  Aquela qual, seria câncer? A não ser que você realmente tenha se esquecido do nome da doença, não diga "aquela". Juro por Deus que um raio não cairá sobre sua cabeça se você pronunciar o nome corretamente. Quando as pessoas falam "aquela doença" eu me sinto como se estivessem se referindo ao capeta (já escrevi isso em outro post). Outro dia peguei o elevador com uma senhora. Eu de turbante, óculos escuros. Ela me olhou e perguntou: Voce está usando essa coisa na cabeça porque você quer ou porque você tem algum problema? Respondi na lata: Eu tenho câncer. Se for pra tocar no assunto, fale com todas as letras. 
  2. Fulano é o câncer da sociedade - Que engraçado! Se na hora de se referir ao câncer as pessoas falam "aquela doença", na hora de se referir ao resto das coisas ruins do mundo elas usam a palavra câncer sem dó. Já andei enviando algumas mensagens inbox no facebook ao ler amigos postando tais frases: "Cunha é o câncer da sociedade", "O machismo é o câncer da sociedade","Bolsonaro....." "A corrupção...." tudo é o câncer da sociedade. Quando vejo essas referências só posso pensar que estou com uma coisa muito horrível mesmo. 
  3. Vai passar - Será que vai? Talvez não passe assim tão fácil como um resfriado. Talvez a pessoa com a qual você esteja conversando tenha metástase ou um tipo de tumor difícil de ser controlado. O câncer de mama receptor hormonal, que é o meu caso, só é considerado curado após 10 anos de tratamento (isso mesmo, DEZ anos). Ao invés de dizer que vai passar, que tal perguntar ao paciente como é o tratamento para o tumor dele? Assim você aproveita para aprender um pouco mais.
  4. Cabelo cresce, o que importa é a beleza interior - Jura? Esse é o tipo de consolo que ja me fez virar os olhinhos entediada algumas vezes. Mas se alguma mulher vir a pedir sua opinião sobre os cabelos, deixo como dica a resposta que minha amiga Maysa Eichner me deu: Simone, conheço alguns homens que têm fetiche por mulheres carecas! 
  5. Você nem parece que está com câncer - Ouvia muito isso nas primeiras semanas do tratamento. Claro que hoje, sem cabelos, sem cílios, sem sobrancelhas, com a pele amarela e 12kg mais magra ninguém se atreve a dizer o mesmo. Mas ao invés de dizer que a pessoa não está com cara de doente, você pode dizer que pelo visto a imunidade dela está boa, e perguntar como ela tem se alimentado. Enriquece a conversa e o paciente pode acabar te dando boas dicas sobre saúde e alimentação.
  6. Tenho preconceito - Sim, eu ouvi isso. Ao explicar como funciona a cirurgia de reconstrução de mama, uma pessoa teve a coragem de dizer que tem preconceito contra quem usa silicone. Minha filha, ainda que eu tivesse que trocar de cabeça, não é o caso de julgamentos, eu não pedi isso pra mim. Nesse dia eu fiquei puta.
  7. Minha vizinha teve e está ótima! - É uma tentativa fofa de ajudar. Gosto de saber que pessoas que tiveram câncer estão bem, porém é bom lembrar que existem mais de 200 tipos de câncer. Só na mama existem vários  diferentes  - carcinoma ductal in situ, carcinoma lobular in situ, carcinoma ductal invasivo, carsinoma lobular invasivo, inflamatório, triplo-negativo, doença de paget, angiosarcoma. Fora o fato de ser ou não receptor hormonal, de ser HER-2, etc. E ainda que seja exatamente o mesmo tipo de câncer, os comportamentos são diferentes.
  8. Isso é acúmulo de mágoa - Beleza, o bebê que estava do meu lado na quimioterapia passada deve ter muita mágoa guardada.
  9. Conheço um pastor que cura. Conheço um médium que cura. Conheço um padre que cura - Tenho minha crença, sei que a fé move montanhas e pode nos curar. Sou muito grata por todas as orações e vibrações positivas que tenho recebido e sinto que fazem toda a diferença. O problema é quando alguém diz para eu não fazer quimioterapia, nem cirurgia e procurar uma igreja ou um curandeiro famoso. Dica: faça o convite sem insistir.
  10. Por que não fosfoetaolamina? - Ai, essa dá mesmo preguiça de responder. Resumidamente, não vou dizer dessa água não beberei. Se um dia ficar desenganada pelos médicos ou em uma situação bem mais grave, pode ser que recorra a ela sim. Todavia, meu caso é tratável por quimioterapia, cirurgia, radio e hormonioterapia, tratamentos liberados pela Anvisa e que também já salvaram milhares de pacientes no Brasil e no mundo. Além disso, começar a tomar  a fosfo e parar causa um efeito rebote violento, quem começa a tomar não pode parar mais.
  11. Pelo menos você vai ficar magra - Devido aos corticóides e ao controle hormonal, a quimioterapia tende a engordar. Se a mulher escapa do aumento de peso durante a quimio, tem grandes chances de engordar ao longo dos 10 anos de hormonioterapia. No meu caso, procurei ajuda nutricional e consegui emagrecer durante a quimio, mas muitas amigas, mesmo cuidando da alimentação, engordaram de 5kg a 10kg.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Mente Sã, Corpo São! De volta ao Blog!

Quem vinha acompanhando o Blog no ano passado com certeza percebeu que dei uma parada depois da última postagem, do dia 21 de dezembro de 2015, a qual foi finalizada assim: "Amanhã será o dia da cintilografia, um exame que tem 6 horas de duração e serve para verificar se há alguma metástase nos ossos. Deus queira que não!!!"

O resultado da cintilografia acusou sim a metástase óssea e o do Pet Scan também. Pra mim o susto  foi pequeno, porque antes mesmo do diagnóstico do câncer vinha sentindo muita dor na costela. Um dia cheguei de viagem, deitei na cama e fiquei umas duas horas sem conseguir me levantar, pensei que houvesse fraturado a mesma.

Achei melhor não dividir isso com vocês, pois quem está de fora geralmente sofre ou fica com dó acreditando que estou sofrendo. E enquanto isso eu estava aqui, seguindo minha vida, fazendo pilates, dançando, aproveitando pra acelerar meu inglês e tratando de eliminar os 12 quilinhos que já eliminei desde janeiro (yupiiii!). Tudo sem a menor bad psicológica!

Digo psicológica porque, diferentemente do tumor primário da mama, que nunca se manifesta, o da costela não ficou calado um só mês. De tempos em tempos mandava lembranças.  Porém, no mês de maio, mesmo a quimioterapia agindo bem no tumor da mama, a costela começou a doer tanto que falei para o médico que não sentia mais fincadas e sim facadas. A dor já não estava mais localizada, se estendia da costela até o centro do peito.

Todavia, mesmo com dores, nunca tratei meu tumor como algo do mau. Quem quer ter uma força do mau dentro de si? Eu não, credo! Vejo as pessoas usando a expressão "aquela doença" como se referissem ao próprio capeta, eu sempre preferi trata-lo como uma criança que não entende o que está fazendo. Assim fica tudo mais suave e eu ainda posso orientá-la ao invés de me revoltar.

E assim foi feito. Um dia, quando a dor estava muito intensa, resolvi conversar com a criança: Coleguinha, deixa eu te explicar uma coisa, se você continuar trabalhando com esse afinco todo quem vai morrer é você, não eu. Eu vou deixar o corpo, vou para o Céu, para uma Colônia Espiritual linda, poderei fazer umas viagens muito massas pelo Universo, "brincar de esconde-esconde numa nebulosa", ir morar em outro planeta ou de repente até voltar ao planeta Terra morando aqui ou em um outro país. Ou seja, pra mim, "O-bla-di O-bla-da life goes on bra. Lala how the life goes on." Já você, irá pra debaixo da terra com o resto do corpo, não vai ter sangue pra te alimentar, não vai ter linfa, não vai ter célula, não vai ter corpo quentinho, não vai ter nada funcionando aí. Então eu no seu lugar não trabalharia tanto... Para completar, fechei os olhos e enviei amor incondicional para os tumores da mama, da axila e da costela, em forma de luz rosa cintilante como já havia feito outras vezes.

Na semana seguinte fiz a tomografia e mostrei o resultado para o médico. Entre o dia do exame e o dia do retorno, senti as dores diminuírem bastante a ponto de ficar dias sem sentir nada. O médico leu o laudo e confirmou que o tumor da mama reduziu em 36%, e o da axila em 90%, virou a página, leu sobre a costela, em silêncio pegou a imagem, analisou e disse:

- A costela tá tranquilo!
- Você acha que o tumor some até o final da químio? Perguntei duvidosa, pois já havia feito 11 sessões de químio e só faltavam 5.
- Eu não acho. Estou te afirmando! Não tem nada aqui. Disse ele virando a imagem pra mim.

Fiquei tão passada que a ficha só foi cair hoje, no dia seguinte. É lindo o poder que temos dentro de nós e poucas vezes utilizamos! Sentimentos como o amor, a paz, a resiliência têm muito mais força que o medo, a revolta, a auto-piedade e outros sentimentos de baixa vibração.

Ah, e nada como o poder de uma boa conversa! :) Sigo sem dores...